01 agosto, 2008

TGV - Análise e Alternativas

Conforme prometido há uns tempos, ir-me-ei debruçar aqui no blog sobre a questão do TGV. Fa-lo-ei durante os próximos dias, tendo para tal dividido o tema geral em vários sub-temas. Comecemos então:

1) A utilidade do TGV

O TGV não tem utilidade prática, não vem suprir, verdadeiramente, uma necessidade. O TGV tem uma distância máxima de rentabilidade de 600/700 quilómetros. A partir daí o TGV não faz qualquer sentido porque ninguém está para demorar 7 horas para fazer Lisboa-Barcelona ou 14 horas para fazer Lisboa-Paris. Não existe concorrência possível com o avião. A ligação à Europa não passa de um mito para encher cabeças impressionáveis.

Nada de novo neste país que, sempre que teve acesso a dinheiro, o desperdiçou nas coisas mais inúteis. O número de empregos que a sua construção irá gerar esfumam-se mal a obra esteja concluída...e a partir daí fica para a história o elefante branco que se ergueu.

O TGV é, assim, uma espécie de Convento de Mafra do século XXI, só que em vez do ouro do Brasil, é financiado por fundos da União Europeia.

2) A Linha do Norte

A linha Lisboa-Porto em Alta Velocidade (velocidades superiores a 300 km/h) não faz sentido por diversos motivos:

Primeiro tem um custo gigantesco dada a elevada densidade populacional e o relevo, obrigando a investimentos em expropriações e a construir túneis e viadutos, já para não falar nas condições técnicas exigidas a uma linha deste tipo. Construir uma linha em Alta Velocidade é muito mais caro do que construir uma linha em Velocidade Elevada (velocidades de 220/250 km/h). Cada km/h a mais custa milhões.

Depois a linha de Alta Velocidade Lisboa-Porto torna-se inútil e redundante com 5/6 estações num espaço de 300 quilómetros. Só os directos poderão fazer o percurso na 1.15h prevista. Os restantes andarão ao ritmo de uma linha de Velocidade Elevada. O TGV demora dezenas de quilómetros a atingir "Alta Velocidade" e outros tantos a reduzir dessa mesma velocidade. Situação semelhante àquela que temos com os Alfa nesta mesma linha do Norte, e que não permite que tiremos total partido deles.

Convirá então recordar que possuímos um conjunto de comboios aproximados a Velocidade Elevada - os Alfa já mencionados -, que num país com juízo deveriam ser utilizados. Actualmente, pela linha do Norte, o Alfa (não directo) demora 2.35h a fazer Lisboa-Porto. Ou seja: no máximo dos máximos, um directo numa linha que custa milhares de milhões de euros reduzirá esse tempo em 1.20h.

2.1) Alternativas para a Linha do Norte

Impõe-se então saber que soluções se podem propor para o futuro da Linha do Norte.

A questão que se coloca é se será possível reduzir o tempo de viagem na Linha do Norte para que comboios directos Lisboa-Porto façam o percurso em cerca de 1.30h - solução preferível dados os milhões que já se gastaram na renovação desta linha. Possivelmente é um exercício impossível, dado o transporte de mercadorias e o tráfego de inter-regionais e regionais.

Assim sendo a solução pode passar pela construção de raiz de uma linha de Velocidade Elevada entre Lisboa-Porto na bitola europeia: o que representaria cerca de 1.35h de viagem.

Ou então, numa solução mais económica, adaptar os Alfas para a bitola mista e construir certos troços de Velocidade Elevada de raiz, e integrá-los nos troços já de "Velocidade Elevada" da linha do Norte (Coimbra-Aveiro, por exemplo), podendo os comboios "mudar de bitola" de acordo com o troço. Tecnicamente é perfeitamente possível e os custos são sempre muito inferiores a uma linha de Alta Velocidade de raiz.

Uma linha de Velocidade Elevada significa 20/25 minutos de diferença para uma linha de Alta Velocidade numa distância de 300 quilómetros nas características actuais da Linha do Norte (várias estações).

3) Lisboa-Madrid

Quanto à ligação Lisboa-Madrid, estudos já efectuados referem que a grande utilidade da linha será inserir a Extremadura no raio de acção do novo Aeroporto de Lisboa. Mas simultaneamente parece que esquecem que se o tempo de viagem entre Lisboa e Badajoz se reduzirá (e daí a Extremadura poderá vir apanhar os voos internacionais a Lisboa), também se reduzirá de Badajoz a Madrid. Logo o mais provável é ficar...tudo na mesma.

O Aeroporto de Lisboa nunca será um "hub" europeu porque Madrid já é um "hub" (secundário, aliás) por si mesmo. Poderá ser, e já o é (e o novo Aeroporto poderá apenas potenciar esse facto), um "hub" terciário para o...Brasil, já que a restante América Latina apanha em...Barajas (arredores de Madrid) e continuará a apanhar em Barajas.

A linha Lisboa-Madrid estará sempre em défice de exploração. Será sempre um buraco.

A linha de Alta Velocidade Lisboa-Madrid, a ser feita, será uma pura opção política. Opção política de ligar as duas capitais da Península no menor tempo possível por ferrovia. Não existe nem nunca existirá uma justificação racional para o fazer.

3.1) Alternativa para a linha Lisboa-Madrid

Para esta ligação, a opção mais sensata era optar por uma linha de Velocidade Elevada. Porque a Velocidade Elevada permite o transporte de mercadorias. E as mercadorias poderão assim "salvar" a rentabilidade da linha. Não que a Alta Velocidade também não permita o transporte de mercadorias, mas raramente são usadas para esse propósito, dado o aumento significativo que tal representaria no preço final das mesmas, sem que tal se justificasse minimamente - as mercadorias não precisam de ser transportadas a 300 km/h.

4) Transporte de Mercadorias

Portugal necessita urgentemente de uma rede de transporte de mercadorias por ferrovia. O transporte rodoviário é cada vez mais inviável devido às emissões de dióxido de carbono e, sobretudo, porque se está a tornar incomportável financeiramente, dado que, pela primeira vez, o petróleo começa a deixar de ser barato numa perspectiva de médio e longo prazo...e para sempre. Mas infelizmente a nossa rede ferroviária foi sendo desmontada ao longo dos anos, até se chegar à situação deplorável que temos actualmente. Agradeçam à CP, ao Estado, e ao monopólio por eles criado (insiste-se muito nos monopólios neste país...).

Obter uma solução eficaz custa menos, muito menos, do que construir uma rede de TGVs para fingirmos que somos um país desenvolvido. Pede-se então uma rede organizada, aberta e, consequentemente, com tarifas de transporte competitivas. Algo só possível numa rede em que exista concorrência de transportadores (algo comum na restante Europa mas inexistente por cá).

5) Conclusão

O TGV faz sentido para os grandes países Europeus. Devido à sua localização central, devido à distribuição das suas cidades (as cidades principais estão distanciadas a 200/300 quilómetros num polígono), devido à sua riqueza, devido às suas condições sócio-económicas, devido ao acesso à electricidade (não é coincidência que o TGV - que necessita de muita electricidade - tenha surgido em França: o líder europeu na energia nuclear...), devido à capacidade tecnológica e produtiva da sua indústria (países como Espanha, França e Alemanha fabricam as suas carruagens de Alta Velocidade), e por aí em diante.

Portugal não possui nenhuma destas características. E como tal não reúne as condições essenciais para este tipo de projecto.